segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Mais um


Mais um



Sou apenas mais um
deste torpe animal
que caminha pelas ruas
desta fétida capital.

Sou apenas mais um
deste velho animal
que sobrevive aos tempos
desde o velho neandertal.

Sou apenas mais um
deste corpo estranho
que habita o mundo
e faz mal sem tamanho.

Sou apenas mais um
desta estirpe animal
que perpetua a vida
morrendo no final.

José


José


Levanta José
e vai para a roça,
o dia está de pé,
sai da palhoça.

Já canta o galo,
no mourão da longa cerca,
vai-te no embalo,
no caminho, não se perca.

Vai para o trabalho,
vai lavrar o ventre da terra,
vai, José, ganhar o salário,
pra viver ao pé da serra.

Vai, José, velho menino,
louvando a semente no chão,
vai seguindo teu destino,
com a foice na mão.

Faz germinar a semente,
aflorar o novo grão
enche o coração da gente,
com a tua plantação.

Arranca do solo, a fecundidade,
vai, José, com a força do braço,
e mesmo que venha a idade,
não lhe abaterá o cansaço.

O teu rosto enrugado,
a tua mão calejada
é herança do arado,
é o peso da enxada.

Traz, então, para a mesa,
o prato minguado, o feijão,
a esperança acesa,
e teu olhar de ilusão.

Traz, José, o alimento,
que alimentou com teu suor,
traz pra casa o sustento,
que é sempre a parte menor.

Com os olhos vidrados,
e o suor pela testa,
diz, José, estar arruinado,
e que nada lhe resta.

Chegou, apavorado,
vindo da casa do patrão,
era homem estropiado,
correndo da escravidão.

Ceifaram seu salário,
para aumentar a produção,
e dobrando o trabalho,
José disse não.

Vai, José, embora,
em busca não se sabe de onde,
vai que tá na hora,
mostra a cara, não se esconde.

Junta os trapos,
os pobres farrapos,
que já não vestem mais
guarda as malas,
os velhos retratos
de seus ancestrais.

Chama a criançada,
despede da comadre,
desmonta o barracão,
bate, José, em retirada,
abandona a roça
e rasga teu coração.

Vai, José, pelo asfalto,
vai, José, de retirante,
espanta a saudade que invade,
vai, José, de viajante,
vai, José, foge do assalto,
no centro da grande cidade.

Vai, segue, então, pela avenida,
pelos becos, ruas e vielas,
vai reconstituindo a vida,
com os dedos nas páginas amarelas.

Vai soprando a ferida,
percorrendo as vilas e favelas,
e quando não há saída,
alimenta-se com as novelas.

José, que não tem emprego,
José, que não tem quinhão,
José, que não tem sossego,
hoje vê televisão.

José, que vê de tudo,
a fome, a prostituição,
José, agora vê o mundo,
sem salvação.

José enrijece a tez,
ouve-se um seco estampido,
com a bala cravada no ouvido,
José, agora, vai de vez.

João e Maria: a tragédia


João e Maria: A tragédia.


Conheceram-se num baile,
uma noite na velha praça,
ela comendo pipoca
ele bebendo cachaça.

Viram-se, pela primeira vez,
era noite de verão,
ela, a virgem Maria,
ele, o pobre João.

Quando ficaram a sós,
emaranharam-se num beijo,
apertaram-se como nós,
com toda força do desejo.

Maria queria João,
João queria Maria,
o que até então não se sabia,
era que o coração,
fosse poço de armadilha.

Muitos beijos e afagos,
uniam o novo casal,
até que Maria, então se abriu,
numa noite de carnaval.

João mandava flores,
e convites para o cinema,
declarava mil amores,
em várias formas de poema.

Até que um dia, por fim,
veio o casamento,
de testemunha, Joana e Joaquim
e muito juramento.

Entre pompas, preces e luzes,
colocou, João, a aliança,
deixando Maria nas nuvens,
com o coração de esperança.

Com a benção da Igreja,
cumprimentos e abraços,
com champanhe de cereja,
apertaram-se os laços.

Entre goles de cerveja
e muita fantasia,
foi, assim, o primeiro ano
do casamento de Maria.

Entre planos e promessas,
muito gozo e rendição,
todas as noites eram festas,
no leito do João.

E o tempo, assim, passou,
até que chegou o dia,
que o beijo de João,
não mais despertava Maria.

Ela foi só desilusão,
ela rezou, fez romaria,
ele dorme com a televisão
ela acorda sempre fria.

João foi para o bar,
tomar o seu pileque,
ela, então, decidiu
sair com o primeiro moleque

Não mais adianta o João,
vir dizer que lhe ama,
pois já estendeu mil lençóis
sob o estrado da sua cama.

Um dia, descobre João,
a traição da companheira,
empunhando, irado, o facão,
desce correndo a ladeira.

Quando dobra a esquina,
do estreito e escuro beco,
vê sua tenra menina,
sendo enrabada a seco.

Chora, o pobre, de desespero,
nela, cravando o afiado punhal,
exalando, então, o cheiro
do sangue, na manchete do jornal.

APAGÃO


APAGÃO



Hoje não vou ligar a TV,
não vou acender a luz,
não vou enxergar você,
nem nossos corpos nus.

A água quente ficou fria,
a geladeira vazia, se esquentou;
seja noite ou seja dia,
a energia findou.

Não ouvirei aquela canção,
hoje não me barbearei;
não verei imagem alguma,
pois no escuro fiquei.

Com o leite ficando azedo,
talvez do mundo me desligue,
a noite chegou mais cedo,
pois não paguei a CEMIG.