domingo, 28 de março de 2010

Garimpo



Garimpo


Trago nas mãos de areia,
O tesouro da bateia,
Que enfim se revelou,
O amor em pepita
No garimpeiro que sou.

Trago na mira dos olhos,
A luz dos olhos teus,
Será este rico minério,
O mistério das águas,
O presente de Deus?

Do garimpo, errante,
Trago ouro, diamante,
Uma jóia grã-fina,
É Pedra lapidada,
Lá do fundo da mina.

Sob o véu da cascata,
Numa mina de prata,
De um garimpo qualquer,
Submerso entre as águas,
Vi teu brilho, mulher.

Relevo


Relevo


Então me atrevo
Ater-me neste relevo
Que é tua pele
Que venha a noite
Que a alma congele
Escalarei por ti.

Se acaso a neve
Deixe breve o amor
Percorro tuas rochas
Ilumino-te em tochas
Tuas escarpas, entranhas.
O frio faz-se calor.

Abrirei as colinas,
Tuas selvas meninas
Assim... Minha flor
Regar-te-ei em brisa
Arrancarei a camisa
Sem frio ou pudor.

Se abre tua nascente
Quero ser continente
Para vir me banhar
Se sou água corrente
Correr em teus córregos
Bem devagar...

Ano bom


Ano bom


Beba a champagne
Hoje tem réveillon
Enchi a geladeira
Lambuzei teu batom
A noite já finda
E a gente ainda,
Já é o ano bom.
Traz a saideira
Meu amor
Dança em mim
Teu carnaval;
Junta a minha bebedeira
A um pouco do teu sal
Esqueça que amanhã
Quarta-feira
A vida volta ao normal.
Esqueça o imposto
O vencimento do aluguel
Esqueça menina
O aumento da gasolina
As dívidas do Noel.
E antes que o dia
Comece,
Vou pedir
Em prece
Para ainda ser
O meu bem
Para aquela
Estrela que pisca,
Para este ano
Que vem.

Noite


Noite


Fez-se noite
Assim tão de repente
Um manto escuro
Cobre os telhados das casas
Sombreiam as fachadas
Fecham-se as asas
Cessa-se o vôo
Dos pássaros diurnos
Na noite que cai
Rapidamente.
Faz-se noite
Como todas elas
Fazem-se
Diariamente.
Serão feitas em série
As noites?
Como nos aguardarão as estrelas?
As luzes humanas-
Elétricas
Atrevem-se aos desafios
Finos pavios
Incapazes de lhe clarear.
Ela vem
Estamos sempre
A esperá-la
Mesmo que
Não a queiramos
Mesmo enquanto
Promessa
De noite seguinte.
Ela vem
Soturna
Vem
Noturna,
Entre os turnos que vão e vem
Além das horas que são.
Vem derradeira
Vem como princípio
Embala os sonhos
E também pesadelos
Abre-se em sexos,
Fecha-se em insônias,
Pelas rodovias do tempo,
E os descaminhos do mundo.
Vem
De vez
E pode ser,
Que ao acordar,
Já se tenha ido.
Vem como dama
Em seu longo
Véu de luzes,
Vem para arrumar a cama
De um tempo sem fim
Vem às horas pagas
Às noites vagas
Quando sou
Sombra de mim.

Pipa



Pipa


Minha pipa colorida
Vai voar rasgando o céu
Meus sonhos de menino
Vão colados no papel.

Esta linha tão cumprida
Mais que a Torre de Babel
Faz voar o papagaio
Preso aqui no carretel.

Voa, voa meu brinquedo,
De rabiola, lindo enfeite,
Voa alto, entrega a Deus,
As linhas do meu bilhete.

Leva lá o meu recado.
Para além da imensidão
Já soltei meu peito alado
Pra voar o coração.

Soneto




Soneto


Falta-me jeito para tanto,
Talvez o peito aberto,
Falta-me o verso certo,
Para entoar-te em canto.

Sem voz-instrumento,
Arrisco estas linhas,
Que são coisas minhas,
Dos versos que invento.

Não fosse pela arte,
De poder então, cantar-te,
De amor não falaria.

Abusando do soneto,
Já aqui neste terceto,
Ter a ti em melodia.

Noite finda



Noite finda.


Agora tô de saída
Já desço a avenida
Onde deixei-me ficar
Maltrapida, seminua,
Na esquina da rua,
A esperar.

E se ainda me quer
Traga-me a bebida,
Uma dose quente,
Dinheiro no bolso,
Aí, crava-me o dente
Ao pescoço
Serei sua mulher.

Saciei tanta fome,
De tudo que é alma,
Com tudo que é nome,
Neste corpo usado,
Que geme e chora,
Nos amores pagos
Por hora.

Vem, então, devagar,
Vem, em despedida,
Nesta noite finda,
Que serei generosa,
Verá,
Mais uma nota de dez,
Estarei a teus pés,
Estarei a gozar.

Revista



Revista


Sou pobre artista,
Fraco poeta,
Se quer me passar
Em revista,
Soletra.

À primeira vista,
Matéria de capa
Não revelada.
Por dentro, fechado,
Entrevista
Publicada.

Passeia
Pelas páginas,
Passos meus,
Falo dos homens,
Falo do mal,
Falo de Deus.

Trago as coisas
Da moda,
A seção de dinheiro,
A reinvenção da roda,
Pedaços
Do mundo inteiro.

Sou rotas
De aventuras
Sou imagens
Do caminho
Se pensas
Em viagens,
Trago passagens
Passarinho.

Sou propaganda
Do que
Não se tem
Anúncio
Dos sonhos
Pra manter-te
Refém.

Quando sou
Economia,
Dificulto a grafia,
Que é
Pra não entender,
No caderno
De saúde,
Fiz o que pude
Pra sobreviver.

Trago
As luzes do show,
Modelos,
Manequins,
Os meios,
Os fins,
Os números do gol,
Contos, colunas,
Desertos e lagunas,
Das fotografias
Que sou.

Honduras




Honduras



São a duras penas
São penas duras
O sangue que escorre
De Honduras
Desvario
Loucuras
O sangue que escorre
Honduras, Honduras.

Levanta gigante
Afasta os coronéis
Recolha tuas tropas
Para o fundo
Dos quartéis
Honduras, Honduras.

Levanta vaidosa
Tua gente é generosa
Vai sobreviver
Do poço
Às alturas
Minha América pequena
Honduras, Honduras.

Arrebenta as correntes,
Tu que guardas
Nascentes
Da cultura original
Tu que és o centro
Da nossa América Central.

Levanta imponente,
Morte às ditaduras,
O sangue da tua gente
Vai dos males
Às curas
Segue pra frente
Honduras, Honduras.

Ovelha



Ovelha


Descontou
O imposto bancário,
Explorou-me o trabalho,
Até me esmorecer;
Cortou-me o salário,
Meu dinheiro trocado,
Impedindo-me de ser.

Deu-me nó na gravata,
Torceu meu pescoço,
Fez suar a camisa,
Esvaziou o meu prato
Virei pele e osso,
Fez-me morto, de fato.

Deu-me comida vencida
Deu-me água contaminada
A ferida na carne,
Deu-me mau-trato.

Diz ter que cobrar o preço,
Virar-me do avesso,
Matar-me, não sei,
Se não tenho saída,
Se perco a vida,
É a força da lei.

Vendi o que tinha,
Armário, roupa, sofá,
Sapatos, a televisão,
Vendi o telhado
Fiz a cama no chão,
Hoje beiro à morte,
Parcelo-me à prestação.

Dormi pelas praças,
Andei nas prisões,
Forasteiro nasci,
E já resto de mim,
Entreguei-me aos leões.

Devorou-me a alma,
Sedento de sacrifício,
São os ossos do ofício,
A política do Estado,
Tem sede de gente,
O onipotente
Deus-mercado.