segunda-feira, 20 de julho de 2020

O céu



Só mesmo quando confinado, emparedado, compreende-se, com exatidão, o que chamamos banho de sol. Pois o céu também é um mar. A noite, um oceano de estrelas. Se ensolarado, um gigantesco mar azul, carregado de infinitos.


Marcos Vinícius.

domingo, 10 de novembro de 2019

Óleo derramado



Dos olhos marejados,
lágrimas de sal,
donde chora o pescador,
verte óleo derramado,
viscoso e matador.

segunda-feira, 12 de março de 2018

Carolina




Foi-se, assim, Carolina,
Ainda bem jovem, menina,
Sem olhar para trás,
Era um final de ano,
Novembro, dezembro,
Se não me engano,
Era a última poesia,
Era o último plano,
E ela partiu.

Partiu, Carolina,
Retirou-se de vez,
Levou suas roupas,
Retratos, documentos,
Dois cadernos baratos,
Com nossos inventos,
Levou um enfeite da sala,
Trancou, por fim, a mala,
Já era o fim do mês.

Foi-se Carolina,
Era tudo previsto,
Estava escrito,
Já era aberto o caminho,
Já era a hora de ir,
Ali tinha inicio uma vida,
Ali uma outra tinha fim,
Para se chegar ao longe,
Era preciso partir.

Então, partiu, Carolina,
Que saudades daquela menina,
Que passou por aqui,
Levou com ela a cidade,
Que habita em mim,
Agora desconheço as ruas,
As praças e avenidas,
Descruzei as esquinas,
De nossas vidas.

Foi para sempre Carolina,
Desconquistando territórios,
Do país que inventei,
Descobrindo as fronteiras,
Onde já não sei,
Foi para sempre Carolina,
Meus mapas imaginários,
As rotas coloridas,
Os jardins de margaridas,
O meu coração sem lei.

Foi para sempre Carolina,
A cidade perdeu a graça,
Agora o relógio que corre,
Não é o tempo que passa,
A meia noite é acesa,
O meio dia apagado,
Assim, aquela hora,
Alegria fez-se tristeza,
Carolina foi-se embora.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Platônica



Ah, esta paixão platônica,
Que corre os anos,
E faz o tempo parecer tão pouco,
Tão muito,
A película não revelada,
A mentira fantasiada,
Como se fosse verdade.

Ah, este fogo que não queimou,
Esta luz que não acendeu,
Mas também não se apagou.

Ah, estes desencontros de almas cruzadas,
O novelo do linho fino,
Que não se desenrolou.

Esta paixão platônica,
Que sobrevive por isto apenas,
Como memória revolta,
Como lembranças serenas.

Ah, este canto preso,
Que nunca se pronunciou,
Semente que não virou flor,
Este laço desfeito,
Sem dobras de nós,
Este engasgo seco,
Que trava a voz.

O que se desfaz por dentro,
Antes do nunca nascer,
Poesias, patologias e sombras,
Que se agarram ao vento,
Ao amanhecer.

Ah, esta sede de tudo,
Do que não há a beber,
Esta fuga do mundo,
O delírio do ser.

Esta chama contida,
Sangue seco na veia,
O sonho não sonhado,
Aquele cheio vazio,
A fantasia, o fio,
Que perpassa a teia,
Do amor condenado.






Marcos Vinícius.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Estes olhos




Que olhos são estes,
que cruzam os meus,
são eternos flertes,
tem a força de deus.

Castanhos, escuros, verdes,
faz-me um calafrio,
a  alma quase congela,
transborda  leito vazio.

Se é assim explosivo,
a luz que a vida deu,
só me concebo vivo,
na mira do olhar teu.

Mas se uma lágrima escorre,
e este brilho apaga,
ali, onde o rio morre,
minh’alma naufraga.



quarta-feira, 29 de novembro de 2017



Mortos-vivos que somos,
mais mortos que vivos,
assim tão passivos,
das covas calmas,
levantados os corpos,
sepultamos as almas.




segunda-feira, 22 de maio de 2017

Criaturas



Ele, abre os caminhos,
As trilhas nas matas,
As mãos grossas de espinhos,
Em rotas inexatas,
Os olhos-mapas,
Os passos-primatas
Desenham a terra,
A jovem morada.

Ela, desvenda mistérios,
Da luz das estrelas,
Dos cursos dos rios,
Das flores vermelhas,
Aos duros-minérios,
Dos leitos vazios.

Ele, traz o cardume,
Ela, é puro perfume
Na terra-água a desbravar,
No meio da selva,
Interiores impenetráveis,
Na beira do mar.

Ele, ajusta o fogo,
Que dá-lhe o alimento
E o faz embalar,
Outras peças do jogo,
O caloroso-advento,
Que o permite queimar.

Ela, já o sente,
Arder em seu ventre,
Fazendo-o alojamento,
Ela, desvenda a semente
E a lança ao vento.

Ele, leva a caça,
Campeia o gado,
Ela, faz a massa, o pão,
Ele, apalpa o céu estrelado,
Ela, o húmus do chão.

Ele, inventou a indústria,
Ela, a noite sem sono,
Ele, a máquina, dinheiro, astúcia,
Dizia-se, tudo tem dono.
Assim a coisa se fez,
O tempo, o homem, a mulher,
O salário, uma vez ao mês,
A vida que não se quer.

Ele, levanta o telhado,
A parede de pau a pique,
Ela, esquenta o ensopado,
Faz melado-alambique.
Ele, mãos de carvão,
Ela, ásperas carícias,
Em óleo diesel, pedra-sabão,
Invocam, desde muito, o amor,
Entre mil dores e delícias,
Sob os rasgos do cobertor.


Marcos Vinícius.

domingo, 29 de setembro de 2013

Tempestade




O céu carrega-se de nuvens,
E muito pesadas,
Despencam-se em raios e águas;
O dia torna-se cinzento,
O estrondo dos trovões
Formam a linha vermelha
Que rasga ao meio
O infinito que meus olhos não tocam.
As janelas de fecham,
As lâmpadas se acendem,
As sombras projetam-se, trêmulas,
Nas paredes manchadas dos quartos.
Meus olhos miram a enxurrada
Através das frestas das persianas
E a tempestade apodera-se de mim.
Fecho a última porta,
Que ainda havia entreaberta,
As águas que caem lá fora,
Molham as varandas e sacadas,
Aqui nem uma gota escorre
Pelas juntas trincadas
Dos parapeitos internos.
Aqui tudo permanece seco.
Seco e abafado.
Mas o temporal
De fagulhas e relâmpagos,
Penetra-me pelos poros da pele,
Pela íris dos olhos,
Um clarão corta-me a alma,
Da cabeça aos pés,
Lúmens chuvosos,
Como lágrimas turvas,
Fazem festa no que trago por dentro.
Regam e lavam o avesso
Do que sou e nunca vi.
Mal percebo,
O dia já clareava ao redor,
O canto eufórico dos pássaros
Anunciava que a chuva se fora,
A janela já podia se abrir,
Mas no breu impenetrável
De minhas carnes e ossos,
A trovoada arrasta-se,
Em enchentes e desabamentos,
Espíritos desabrigados,
Sangue encharcado.
E me afogo mais uma vez,
Náufrago das tempestades e redemoinhos,
Intempéries, tornados,
Agora trancados em mim.

sábado, 18 de maio de 2013

Cipó


Cipó


O que será daquela serra,
Pra onde vai o rio cipó,
Em que canto desta terra,
Vai voar gavião carijó?

Cadê tamanduá bandeira,
Ariranha, lobo guará,
Escondeu-se coruja buraqueira,
Calou-se o sabiá.

Abate o ipê amarelo,
Aqui nesta terra sem lei,
Foi-se embora o quero-quero,
E destronado urubu rei.

Vai a fauna, a flora,
Jaratataca, ouriço-caixeiro,
Vai a vida embora,
Pelos rios de dinheiro.

Fatia o Espinhaço,
Arranca a quaresmeira,
Do farto ao escasso,
Contamina a cachoeira.
  
Ah... Tem dó,
O que será daquela terra,
Nesta história que encerra,
Da motosserra do cipó.

Vão virgens águas,
Pra viajar o minério,
Vertendo turvas mágoas,
Do paraíso-cemitério.

Valentina





Valentina, Valentina,
É difícil acreditar,
Um dia foi menina,
Esta cara de assassina,
Que hoje quer me torturar.

Valentina, Valentina,
Talvez seja meu castigo,
Meu azar, minha sina,
Afundar-me na ruína
Do ataque inimigo.

Valentina, Valentina,
O fim da minha fé,
Nesta amarga toxina,
Que agora contamina
Com sorriso de mulher.

Valentina, Valentina,
Era o veneno fatal,
Aquela dose de morfina,
Retirada da latrina,
Em dose letal.

Valentina, Valentina,
E sua lâmina fria,
Na hora da chacina,
Aciona a guilhotina,
Da minha agonia.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

quarta-feira, 26 de setembro de 2012




Lá se foi o vampiro,
Era outra madrugada,
A lua estava a pino,
Dava a última mordiscada.
Antes do soar do sino,
Ainda sob o sereno,
Sugara a suculenta veia,
Que era puro veneno.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Fim de festa




Foi-se o último convidado,
O salão silenciou-se.
No piso sem brilho,
Jaz o vinho derramado,
Pedaços, recheios, os restos,
A sombras dos que se foram,
Encerram a dança,
No vulto escuro
Das janelas fechadas.


O suor não se dissipou de todo,
O calor das gentes
Esfria-se pelos cantos estreitos,
Pelas gretas e frestas,
Por baixo da porta,
Ecoa o suspiro da música,
Que agora é morta.


Nos grandes espelhos,
Tantas marcas digitais,
Fios de cabelos,
Esmaltes, batons vermelhos,
Que não beijam mais,
As fantasias rasgadas
Dos fins dos carnavais.


Apaga-se a luz derradeira,
Que tremulava sob o palco,
As sombras engolem
Os pedaços de convites,
Os bilhetes de amor,
O éter, o álcool,
Exalam o último momento,
A memória se apaga,
Em completo esquecimento.

domingo, 23 de outubro de 2011

Maçã




Maçã


Mordisquei um pedaço,
Daquela polpa de veneno,
No peito que era aço,
Bate um coração pequeno.

Banhada de sereno,
Aquela fruta bem doce,
Oferecia-me ao inferno,
Como se paraíso fosse.

Ah... o pecado!
Experimentei-o
a cada manhã,
Fazendo-me a dieta,
Aquela farta maçã.

Elevo-me ao céu
Envolto em azul anil,
Entorpeço de mel
Este corpo febril.

Regado ao vinho,
A ressaca, o vinagre,
Cruzarei o caminho,
Antes que o mundo acabe.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A navegar


A navegar




Navego
Entre as margens
Onde nunca pisei
Estou apenas a caminho,
Não sei quantas águas
Terei que singrar
Quantas ondas bravias,
Outras tantas calmarias,
Enfrentarei pelo mar.


Navego
Minhas velas curvas,
Nestas águas turvas,
Se contorcem ao vento
Navego
Pelos vendavais, tempestades
No breu das noites,
No lúmen dos dias
Navego
Enquanto há tempo.


Navego
Pelas águas poucas,
Pelas horas lentas
A escorrer a conta-gotas
Navego
Pelas corredeiras,
Pelas cascatas das cordilheiras,
Pelas correntezas loucas.


Navego
Quase náufrago
Na pressa do mundo
Aonde vai meu barco
A correr,
Sem amarras,
Levantei as minhas âncoras,
Antes navegar
Que morrer.

terça-feira, 26 de abril de 2011

À lápis.




À lápis


Vou fazer-te a lápis
Neste papel vazio,
Alinhar o meu traço
A ferro frio.

Vou dar-te contorno
Acender-te no forno
Do meu coração.

Será palavra
Refeita,
Sem lei,
Sem receita,
Será minha oração.

E será de grafite
Tua alegoria,
No dedo que corre
A fazer poesia.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

En-canto

En-canto



(À Bona Akotirene)




Meu coração de lona,
Maltrapido e rasgado
Ao ouvir-te
Bate em riste
Vem à tona,
Alegra o que é triste,
Na voz de Bona.



Meu coração semi-árido,
Quando a secar
Ou morrer
Vira rio perene
Pela voz de Akotirene
No deserto
Do meu ser.




domingo, 28 de março de 2010

Garimpo



Garimpo


Trago nas mãos de areia,
O tesouro da bateia,
Que enfim se revelou,
O amor em pepita
No garimpeiro que sou.

Trago na mira dos olhos,
A luz dos olhos teus,
Será este rico minério,
O mistério das águas,
O presente de Deus?

Do garimpo, errante,
Trago ouro, diamante,
Uma jóia grã-fina,
É Pedra lapidada,
Lá do fundo da mina.

Sob o véu da cascata,
Numa mina de prata,
De um garimpo qualquer,
Submerso entre as águas,
Vi teu brilho, mulher.

Relevo


Relevo


Então me atrevo
Ater-me neste relevo
Que é tua pele
Que venha a noite
Que a alma congele
Escalarei por ti.

Se acaso a neve
Deixe breve o amor
Percorro tuas rochas
Ilumino-te em tochas
Tuas escarpas, entranhas.
O frio faz-se calor.

Abrirei as colinas,
Tuas selvas meninas
Assim... Minha flor
Regar-te-ei em brisa
Arrancarei a camisa
Sem frio ou pudor.

Se abre tua nascente
Quero ser continente
Para vir me banhar
Se sou água corrente
Correr em teus córregos
Bem devagar...

Ano bom


Ano bom


Beba a champagne
Hoje tem réveillon
Enchi a geladeira
Lambuzei teu batom
A noite já finda
E a gente ainda,
Já é o ano bom.
Traz a saideira
Meu amor
Dança em mim
Teu carnaval;
Junta a minha bebedeira
A um pouco do teu sal
Esqueça que amanhã
Quarta-feira
A vida volta ao normal.
Esqueça o imposto
O vencimento do aluguel
Esqueça menina
O aumento da gasolina
As dívidas do Noel.
E antes que o dia
Comece,
Vou pedir
Em prece
Para ainda ser
O meu bem
Para aquela
Estrela que pisca,
Para este ano
Que vem.

Noite


Noite


Fez-se noite
Assim tão de repente
Um manto escuro
Cobre os telhados das casas
Sombreiam as fachadas
Fecham-se as asas
Cessa-se o vôo
Dos pássaros diurnos
Na noite que cai
Rapidamente.
Faz-se noite
Como todas elas
Fazem-se
Diariamente.
Serão feitas em série
As noites?
Como nos aguardarão as estrelas?
As luzes humanas-
Elétricas
Atrevem-se aos desafios
Finos pavios
Incapazes de lhe clarear.
Ela vem
Estamos sempre
A esperá-la
Mesmo que
Não a queiramos
Mesmo enquanto
Promessa
De noite seguinte.
Ela vem
Soturna
Vem
Noturna,
Entre os turnos que vão e vem
Além das horas que são.
Vem derradeira
Vem como princípio
Embala os sonhos
E também pesadelos
Abre-se em sexos,
Fecha-se em insônias,
Pelas rodovias do tempo,
E os descaminhos do mundo.
Vem
De vez
E pode ser,
Que ao acordar,
Já se tenha ido.
Vem como dama
Em seu longo
Véu de luzes,
Vem para arrumar a cama
De um tempo sem fim
Vem às horas pagas
Às noites vagas
Quando sou
Sombra de mim.

Pipa



Pipa


Minha pipa colorida
Vai voar rasgando o céu
Meus sonhos de menino
Vão colados no papel.

Esta linha tão cumprida
Mais que a Torre de Babel
Faz voar o papagaio
Preso aqui no carretel.

Voa, voa meu brinquedo,
De rabiola, lindo enfeite,
Voa alto, entrega a Deus,
As linhas do meu bilhete.

Leva lá o meu recado.
Para além da imensidão
Já soltei meu peito alado
Pra voar o coração.

Soneto




Soneto


Falta-me jeito para tanto,
Talvez o peito aberto,
Falta-me o verso certo,
Para entoar-te em canto.

Sem voz-instrumento,
Arrisco estas linhas,
Que são coisas minhas,
Dos versos que invento.

Não fosse pela arte,
De poder então, cantar-te,
De amor não falaria.

Abusando do soneto,
Já aqui neste terceto,
Ter a ti em melodia.

Noite finda



Noite finda.


Agora tô de saída
Já desço a avenida
Onde deixei-me ficar
Maltrapida, seminua,
Na esquina da rua,
A esperar.

E se ainda me quer
Traga-me a bebida,
Uma dose quente,
Dinheiro no bolso,
Aí, crava-me o dente
Ao pescoço
Serei sua mulher.

Saciei tanta fome,
De tudo que é alma,
Com tudo que é nome,
Neste corpo usado,
Que geme e chora,
Nos amores pagos
Por hora.

Vem, então, devagar,
Vem, em despedida,
Nesta noite finda,
Que serei generosa,
Verá,
Mais uma nota de dez,
Estarei a teus pés,
Estarei a gozar.