terça-feira, 11 de março de 2008

Pirâmide social


Pirâmide social


Um tem berço de ouro
Guarda no banco o tesouro
E assina os papéis
Trafega em palácios
Transita em quartéis
Do mundo é o dono
Assenta no trono
E arrebanha fiéis
É homem de negócio
O mercado é sacerdócio
Que lhe faz tão bem
Tem título de propriedade
Um palácio na cidade
Dinheiro como ninguém.

O outro não sabe ainda
Pra que lado correr
Vive na berlinda
Diz que é classe média
Que não existe tragédia
Que lhe possa ocorrer
Afinal leva a vida
Na primavera das prestações
Assim dividida
Entre outonos e invernos
De mil ilusões
Afinal tem uma quitinete
Tem acesso a internet
Praia em todos os verões.

O terceiro não tem emprego
Seu nome é sem tradição
Não tem aconchego
Foi expulso do barracão
Tem a cara da seca
Carrega a fome do agreste
Tem a pele calejada
Leva a marca da peste
Não anda pelos shoppings
Não vai a teatros,
Espetáculos ou museus
Dorme em banco de praça
Olhando pro céu
Procurando por Deus
Mas é a cachaça
A redenção do sofrimento
De existir simplesmente
Sem certidão de nascimento.

Porto




Porto
(Música: Bona Akotirene
Letra: Marcos Vinícius).



Foi sopro divino
coisa do destino
que me fez
o porto seu.

Foi obra do acaso
navegar em mares rasos
por onde
essa nau se perdeu

Foi vento do oceano
calmaria, desengano
que te atracou
ao cais que trago em mim.

Foi o canto da sereia
castelo de areia
que trouxe do mar
o teu amor, enfim.




Porto - Bona Akotirene - Marcos Vinícius (1)

Porto - Bona Akotirene - Marcos Vinícius

O velho retrato


O velho retrato


A minha imagem do retrato
Resolveu, então, olhar pra mim
Pude ver, envelheci de fato
Mas vou até o fim.

É certo, não guardo recato,
Mas confesso que me constrangi
Também perdão não peço,
E nem desejo fugir.

Agora me olha de frente
Fitando o que sou, o que fui,
Não é o espelho que mente,
É passado gravado que flui.

Se me flerta o retrato,
Já não o vejo mais
É a sombra de mim
Em papel barato
De muito tempo atrás.

Se rouba esta imagem
Meu perfil, minha cara,
Carrega ainda o canto
Que já hoje se cala.

Esnoba meu pranto
Com cara de santo,
Sou porta-retrato,
Sou fotonovela,
Desabo pelo tempo
Na película amarela.

O Vôo


O Vôo



Por que céus voam agora
Esta parte da criação
Pra onde foi o choquinha-chumbo
Em que parte do mundo
Ele se escondeu.
Quem sabe o tropeiro-da-serra
Quem sabe o caminheiro-grande
Voaram para o paraíso
Para bem longe da Terra.

Por que céus voam agora
O tietê-de-coroa,
a águia-cinzenta,
O papagaio-da-serra,
O sabiá-pimenta
Caboclinho-do-sertão,
O carapé, o rabo-amarelo,
O fura-mato, o mergulhão.

Adeus codorna-mineira
Pinto-d’ água-carijó,
Adeus buraqueira,
Lenheiro-da-serra-do-cipó
Adeus saudade-de-asa-cinza
Papa-capim-do-bananal
Pica-pau-de-cara-amarela
Capacetinho-do-oco-do-pau

Adeus Maria-corruíra
Maria-do-nordeste
Maria-catarinense
Maria-do-Madeira
Vai-cigarra-verdadeira
Vai dançador-de-coroa-dourada
Vai saíra-apunhalada
Ao seu encontro com Deus.

Ciranda de fogo


Ciranda de fogo


Não chore criança,
Apenas levanto a lança,
Que vai te proteger.
Não chore criança,
Você não corre perigo,
O fogo que queima,
Hoje é fogo amigo.
Não chore, pois, mais
Te garante o dono do mundo
O seu novo protetor
Confie nessa promessa
Que te faz seu novo senhor
Tens, pois, a força
Voltada a seu favor
Te guardará
A mãe de todas as bombas
A bomba mãe
Que tapará o sol
Fazendo lume nas sombras
Vai conhecer de perto
Os meus soldados de chumbo
Que obedecem as ordens
De quem comanda o mundo
Não se assuste
Não chore criança
A linha de fogo que vê
É luz da esperança
Que brilha pra você
É chama que queima
A linha do tempo
E soprando o vento
Se alastra veloz
Incendiando a história
De forma brutal e feroz
Estará bem assistida
Assim para sempre
Minha flor, minha querida
Temos tapetes de bombas
E bombas margarida
Pra te florear o caminho
A bomba que queimou Hiroshima
-“little boy” -
Tem nome de menininho
Não chore pelas trincheiras
São apenas brincadeiras
Protegerei os teus sonhos
Lá na guerra das estrelas.
Não duvide nunca da fé
Nos meus valores morais
Que aplico nos homens
Às vezes, em doses letais
Não se apavore
Com meu inverno nuclear
Não há escuro tão escuro
Que meus raios
Não possam iluminar
Teu alimento
Eu mesmo invento
Uma nova salada
Com agente laranja
Com gás mostarda
Estará, pois, guardada
Minha doce criança
E se por acaso,
Ainda que esteja a salvo
Se por um descuido
Falha da balística
Te fizerem de alvo
São acidentes naturais
Constará, enfim, na estatística
Dos danos colaterais.

Eminência parda


Eminência parda


Sou eminência parda
Cuidado comigo
Te dou um castigo
Abaixo sua guarda
Acabo contigo
Se acaso contrariar
Não me moleste
Pois sou uma peste
Não te deixo respirar
Sou a fome do agreste
A seca do nordeste
Os jogos de azar
Faço qualquer negócio
Rogo-te um troço
Pra nunca mais levantar
Sei ser um tormento
Eu prendo e arrebento
E mando te matar
Cuidado comigo
Pois tenho influência
E não gosto de perder
Sei bater continência
Sou os meandros do poder
Se tem bronca antiga
Articulo e conspiro
Monto a rede de intriga
Que vai te prender
Ando pela sombra
Estrela de bastidor
Te persigo no escuro
Semeando o terror
Tenho costa larga,
Cabide de emprego
Se queres sossego
Não mexa comigo
Não seja indolente
Pois culpado ou inocente
Sempre te perseguirei
Demitirei seu parente
Sou amigo do rei
Não sento no trono
Não visto a farda
Se quiser, te detono
Seqüestro teu sono
Sou eminência parda.

No confessionário


No confessionário


Já fui operário engajado,
Me dediquei à causa justa
Tu bem sabe quanto custa
A representação popular
Já fui ativista da paz
Já fiz greve de fome
Até troquei o meu nome
Quando ainda era rapaz
Fui vítima da ditadura
Sofri tudo quanto é tortura
Até não agüentar
Organizei a resistência
Era chefe da tendência
Que ia revolucionar
O espírito militante
me levou bem adiante
mas não cansei de lutar.
Fui combatente aguerrido
Ajudei a fundar o partido
E lutei contra o sistema
Fui cassado, perdi domicílio,
Acabei no exílio
E cumpri uns anos de pena.


Hoje o mundo ta mudado
E o fim da história chegou
Agora que virei deputado
Minha meta é o senado
É muito bom virar doutor
Não é nada pessoal
Tenho planos para o Estado
Sou poder, sou institucional,
Mas pra manter esse emprego
Tive que virar pelego
E me aliar ao capital
Aprendi a fazer falcatrua,
E manobra no plenário,
Criar imposto abusivo,
E arrocho no salário
Tenho canais e faço lobby
Só moro em área nobre
Mas continuo combativo
Assim conquistei um assento
Na comissão do orçamento.
Minha caneta vale dinheiro
E não perco a concorrência
Faço creche e faço caixa
Com o capital estrangeiro
Tenho que fazer desvio
Pra manter meu poderio
E meu projeto eleitoreiro.
  1. No Confessonário

    Já fui operário engajado,
    Me dediquei à causa justa
    Tu bem sabe quanto custa
    A representação popular
    Já fui ativista da paz
    Já fiz greve de fome
    Até troquei o meu nome
    Quando ainda era rapaz
    ... Fui vítima da ditadura
    Sofri tudo quanto é tortura
    Até não agüentar
    Organizei a resistência
    Era chefe da tendência
    Que ia revolucionar
    O espírito militante
    me levou bem adiante
    mas não cansei de lutar.
    Fui combatente aguerrido
    Ajudei a fundar o partido
    E lutei contra o sistema
    Fui cassado, perdi domicílio,
    Acabei no exílio
    Cumpri uns anos de pena.
    Hoje o mundo está mudado
    E o fim da história chegou
    Agora que virei deputado
    Minha meta é o senado
    É muito bom virar doutor
    Não é nada pessoal
    Tenho planos para o Estado
    Sou poder, sou institucional,
    Mas pra manter esse emprego
    Tive que virar pelego
    E me aliar ao capital.
    Aprendi a fazer falcatrua,
    Manobras no plenário,
    Criar imposto abusivo,
    E arrocho no salário
    Tenho canais e faço lobby
    Só moro em área nobre
    Mas continuo combativo
    Até conquistei um assento
    Na comissão do orçamento
    E caneta que faz dinheiro
    Já não perco concorrência,
    Faço creche e faço caixa
    Com capital estrangeiro
    Tenho que fazer desvio
    Pra manter meu poderio
    E meu projeto eleitoreiro.

América do Sul


América do Sul



Meu filho
Nascemos todos filhos
Desta América do Sul
Aqui a terra é boa
E tem clima tropical
Aqui o povo trabalha
Vence e perde a batalha
Na luta contra o capital.

Aqui tem história
Mesmo que sem memória
Da luta inglória
Que o povo travou
Aqui tem o registro
Do jogo sinistro
Que se instalou.

O tempo aqui
Carrega no encalço
A sombra eterna
De mil gerações
O brilho ofuscado
De tantas civilizações
Que submergeram-se
Sob a tirania das bombas
E fogos de canhões.

Aqui nesta terra farta
De um povo trabalhador
De povo índio
De povo escravo
Que muita riqueza plantou
Mas que teve
o destino selado
pela avareza do seu senhor.

Aqui tem lavrador,
tem operário, tem mineiro,
mas tem especulador
que arrocha o salário
pra ganhar mais dinheiro
sobre o pobre sofredor.

Aqui tem engraxate,
Tem muito biscate,
Tem flanelinha
Vendedor de sinal
Pedinte de esquina
Tem polícia que bate
Em velho doente
Ou então atira
Em menino traquina.

Parece que é sina
Parece o destino
Dessa América latina
Abortar revoluções
Prostituir suas meninas
Nas jogatinas
Dos nossos barões.

Meu filho
Somos filhos
Desta América do Sul
Desta América do sol
Desta América do sal
Desta América índia
Desta América de Espanha
América de Portugal.

Meu filho
Pra azarar a sorte
Nasceste na zona norte
Sob o esgoto da multinacional
Sem posto de saúde
Sem sistema de transporte
Mas sob forte, aparato policial.

Meu filho
Assim é a vida
Em nossa combativa
América do Sul
E apesar da matança
Não se perde a esperança
Pois a terra é fértil
E o céu muito azul.

Vento forte


Vento forte



Quão forte é o vento
que destrói fortaleza
derruba meus planos
consome os meus anos
leva minha realeza.
Adeus minha princesa
meu rico tesouro
Hoje carrego a tristeza
meu troféu de lata
que era barra de ouro.


Quão forte é o vento
que sopra por aqui
faz do sonho pesadelo
e meu passo cair
como qualquer contratempo
traz tempestade
traz desespero
não me deixa sorrir
consome a alma
arrepia meu pêlo
dá vontade de partir.


Quão forte é o vento
que sopra
e leva o beijo
que não dei em ti
que sorte traz o tempo
que mata as flores
do meu jardim
me fecha o caminho
e andando sozinho
posso ver o meu fim.

Ao adormecer
rezei muito
rezei tanto;
ao despertar
havia perdido
o pai
o filho
e o espírito santo.

Gôndolas do amor


Gôndolas do amor.


Senta aqui do meu lado
Traz pra mim um trocado
Uma nota de cinqüenta
Vou te esperar na esquina
Vou ser sua menina
Vem acertar o programa
O valor da minha cama
Traga apenas um bom preço
Nosso amor é passageiro,
Sem telefone, sem endereço,
Traga um pouco de dinheiro
Que te farei os favores
Mas se acaso fores
Por aquele botequim,
Traga o teu fogo,
As peças do jogo
E um presente pra mim.
Vem tomar o pileque,
Comprar meu jeito moleque
E serei o seu brinquedo
Te sussurrarei um segredo
Que te fará suspirar
Vem nesse amor de uma hora
Ainda dou-me pra ti,
Antes de ir-te embora,
Traga o troco trocado
Abra o corpo trancado
E vem aqui esta noite
Deixe em mim seu suor
Deixa teu cheiro no quarto
A ruga nos meus lençóis
A sombra no meu retrato.

Domingo


DOMINGO



Hoje é domingo
Não tem trabalho
E só amanhã
É de novo operário
Então só lhe resta
Dormir, fazer festa,
Curtir a preguiça,
Rolar pela cama,
Rezar, ir à missa,
Todo fim de semana.
Com a alma lavada
Então, sai a passeio
É a hora do recreio
O descanso da peleja
De manhã tem igreja
No almoço, alvoroço,
E muita cerveja
Pra matar a sede,
E se deita na rede,
E pega o jornal
Vê tanta foto estampada
De tanto marginal
Mas como é domingo
Tem mais o que fazer
Tomar outra gelada
Uma cartela de bingo
Ou ligar a TV
Assistir futebol
Uma volta pela praia
Mirar o pôr-do-sol
A moça de minissaia
E chamar outra vez
O garçom da bandeja
Pede outra cerveja
Afinal, a saideira,
Pede a conta e o desconto
Pra que não comece tonto
Outra segunda-feira.

O despertar


O despertar operário



De manhã, acorda bem cedo o trabalhador,
Com o olho embotado, no despertador,
Abre a cortina, e acende a luz,
Lá embaixo a avenida, no peito, a cruz,
No espelho do quarto, a face sombria,
Ainda é meio noite, quando raia o dia.
Ao cerrar a porta, corre pela escada,
A rua escura ainda guarda madrugada,
A rua à direita é mão sem saída,
A rua à esquerda sai na avenida.
É lá onde passa o ônibus, é o horário,
É onde sai então, para o trabalho.
Olha mais uma vez o relógio,
E o passo apressado o leva pra fila,
O peito apertado carrega a mochila,
Que ainda vazia, sem nem um tostão.
Conta, de novo, um outro minuto,
Corta o atraso, desconta o tributo,
Que vai lhe taxar o patrão.
Com pressa, tropeça, no lotação,
Confessa que desta, não escapa,
Não vai mesmo ter perdão.
Quem sabe ainda seja tempo,
Se nenhum contra-tempo atrasar o sinal,
Quem sabe não pare num ponto,
Quem sabe o chefe esteja tonto,
E não queira lhe fazer mal.
Como pode então ser tão tolo
E alimentar uma ilusão infernal
Já tem sorte, chegou na roleta
E é ai que a coisa ficou preta
Não sobrou troco, seu trocador,
Apela à piedade, apela ao amor,
Penhora o relógio, o pingente de lata,
Promete um negócio, uma mina de prata,
Uma grande fábrica a vapor.
Promete a cerveja gelada do bar
E um grande banquete que irá bancar
Promete como coisa de menino
Promete o mundo, pelo destino.
Ele precisa chegar e tem pressa
Então faz tudo quanto é promessa
Mas não pode se atrasar.

O trocador


O trocador


Pelas quatro da madrugada
Saem pra primeira viagem
O motorista conduz o carro
Ele cobra a passagem.
O motor conhece a pista
E aciona a engrenagem
Dobra a primeira esquina
E para no mesmo sinal
O trajeto é uma só rotina
Da garagem ao ponto final
Ele traz trocado o dinheiro
Para facilitar o trabalho
Ali vai muito passageiro
O que tem mais é operário
Tem tudo quanto é gente
O crente, o ateu e o vigário
Quem só entra pela frente
O que tem cheiro de aguardente
A moça do perfume barato
Ele ouve muita conversa
E sabe tudo quanto é boato
Da vizinha que trai marido
Sabe completo o relato
O eleito que troca de partido
O cidadão que se vê traído
Pelo voto em seu candidato
Viaja também o malandro
Há quem faça escândalo
Quem tenta fazer mutreta
Há quem não queira pagar
O que tenta burlar a roleta
Lá pela subida do morro
Moleque pendura na traseira
Fulano que leva cachorro
Pra ver se vende lá na feira
A coisa também fica feia
Na travessia de bairro nobre
Onde mora menor infrator
Menino que posa esnobe
Apedrejando o trocador.

Meninos do Brasil


Meninos do Brasil


Sonha o pobre coitado,
Que quer apenas brincar,
Jogar bolinha de gude
Tomar banho de açude,
Aprender a nadar.
Quer brincar de luneta,
Ver tudo que é planeta
E o mundo conhecer
Cortar o vento, soltar pipa
Bater lata, tocar cuíca
Quebrar onda do mar.
Fazer carrinho de rolimã
A jogada campeã
Que vai lhe consagrar.
Ele quer ser herói
Personagem de gibi,
Ter medalha pra exibir
Ter a fama do caubói
Sonha ser campeão
Aparecer na televisão
ser o astro da novela
virar estrela do cinema
e namorar a Cinderela.


Mas primeiro, coitado,
Tem que levantar o trocado,
Pra poder sobreviver,
Tem dia que trabalha tanto
Em feriado, em dia santo
Sem poder esmorecer.
É o príncipe da construção
O campeão do biscate,
Olha o carro do barão,
Trabalha de engraxate,
Vende bala no sinal
Carrega a compra da madame,
Se empoleira em andaime
Pra poder olhar do alto
se não vem, então, a fama,
tenta pois, um assalto
assim vira notícia
assim vira um fato
morto pela polícia
sem qualquer estrelato.

Destino de menino


Destino de menino


Menino, franzino,
aprenda agora,
mais essa lição;
talvez peça esmola,
perca um ano na escola
agora que seu pai
foi levado pra prisão
Menino, não chora,
se ele foi embora
talvez ainda volte
na próxima estação.
Mas enquanto está preso,
moleque indefeso,
tu tem que comer,
mas não é farto o banquete
que a vida vai te oferecer.


Mas você vai ser feliz.
tem a creche da prefeitura,
tem trabalho de pintura
você pode ser aprendiz.
ser servente de pedreiro,
construir o mundo inteiro,
usando o quadro e o giz.
tem a poda de jardim,
o dono do botequim,
que quer alguém assim,
tem a limpa do terreiro,
a loja do sapateiro
e saquinhos de amendoim.
O trabalho chega cedo
mas não tenha medo
você vai vencer
Menino, franzino,
você já é grande,
antes mesmo de crescer.

Amor de menino


Amor de menino




Saia já da tristeza
Eu te prometo
Arroz com feijão
Muita sobremesa
Vou ser campeão
Jogador de futebol
Aparecer na televisão
Afinal já tenho dez anos
Já faço meus planos
Você vai torcer
Vou fazer muito gol
Estrela do show
Pra brilhar pra você
Vou te dar meu troféu
De Montevidéu
Pra enfeitar a estante
Vou te dar agasalho
Te libertar do trabalho
Que te faz esmorecer
Te cobrir de diamante
Pois vai ser ainda
A estrela mais linda
No horário nobre da TV
Vou dormir em hotel
Viajar pelo estrangeiro
Ganhar muito dinheiro
Fecharei um contrato
Jogarei com destreza
No dia do campeonato
Te farei uma princesa.

Amor de verão


Amor de verão


Deus seja
De novo louvado
Que outro janeiro
Me traz
Sou menino
Abençoado
Já com cara
De rapaz
O dia se enche
De graça
Quando lá
Pela praça
Vejo Maria
Passar
É o fruto mais
Bonito
Que já deu
Por esse quintal
Essa flor tão
Preciosa
Que veio lá
Da capital.



Vou te levar
Maria
Pra tomar banho
De rio
Vou te dar
Uma estrela
Acolhê-la do frio.
Fazer-te
Poesia
Com a folha
Do meu caderno
Sonhar mil
Noites contigo
Jurar-te
Um amor eterno.
Vou te fazer
Uma pipa
Proteger-te
Dar-te abrigo
Ande aqui
Do meu lado
Pra não correres
Perigo.



Deus seja
De novo louvado
Que outro janeiro
Me traz
Pois sonho
O ano inteiro
Acordado
Quando me chega
Esse mês
Onde
Sempre e somente
Te vejo
Outra vez.
Vem passear
Pela mata
Que lhe abro
Uma trilha
Vem tomar
Banho
De cascata
Enche meus olhos
De ti
É sonho
Paraíso
É Maravilha.



Veja
As flores que colhi
Do cerrado
Ouça meu rádio
De pilha
As canções
Que levam
A você
Deixa ser teu
Namorado
Dar-te a ti
Por inteiro
Pra parar de vez
Meu sofrer,
Quando entra
Fevereiro.

O ciberespaço


O ciberespaço


Hoje não saio de casa
Vou ver o que a NASA
Vai mostrar para mim
Sobrevoar o subúrbio
Pousar em São Petersburgo
Fotografar em Berlim
Ver as praias do Rio
Dar rasante em Pequim.

Ver a muralha da China
Que a gente não imagina
Que seja tamanha assim
Vou revirar o oceano
Brincar com os continentes
Gargalhar com as marés
Atravessar o altiplano
Sem levantar os pés.

Vou rezar no Vaticano
Velejar por Veneza
Ver do alto a República
Apreciar a Realeza
Desvendar a geografia
Dos barracos da favela
Conhecer a Bahia
E a arquitetura francesa.

Vou conquistar as estrelas
Aqui de dentro do quarto
Pra rememorar o dia
Em que ianque deu chilique
Os russos mandam p’ro espaço
O satélite Sputnik
Era coisa de comunista
Era trama de bolchevique.

Hoje não saio de casa
Quero o planeta vermelho
O brilho das galáxias
Na frente do espelho
Quero o canto do mundo
Quero a mira lunática
Na janela da informática
Ver a sombra de Mercúrio

Hoje não leio jornal
Não me interessa a manchete
Vou viajar pelo sul
Vou atravessar o nordeste
Vou me prender a internet
Dispensar o futebol
Mesmo que faça sol
Hoje não vou ao clube
Vou percorrer avenidas
Nas páginas do Youtube.

Maldito cupim


Maldito cupim


Devorou sua carta de amor
Nossa foto no botequim
Fica a saudade e uma dor
Maldito seja ó cupim

Consumiu meu retrato
Minha colcha de cetim
Todo armário do quarto
Maldito seja ó cupim

Fez sumir meu documento
Um recorte do Pasquim
Mutilou meu sentimento
Maldito seja ó cupim

Levou minha identidade
Foto de fã de camarim
Minha certidão de nascimento
Maldito seja ó cupim.

Calou os meus discos
É uma dor tão ruim
Silenciou os acordes
Maldito seja ó cupim

Foi-se o som do violão
A mágica do bandolim
Minha antiga canção
Maldito seja ó cupim.

Adeus meu vinil
A Geni com seu Zepelim
Aos filhos de Serafim
Maldito seja ó cupim.

Sem papel, então, agora,
Sem alma, agora, enfim,
O que já restou de mim,
Maldito seja ó cupim.

A Gênese do fim


A Gênese do fim.


Quando da criação, a terra se fez grávida,
E a vida se fez e refez ávida,
E toda sorte de vida se criou plástica,
Nos contornos e labirintos da lógica,
Nos meandros e curvas da matemática.
Quando se fez a explosão biológica,
E a vida outra vez se fez dádiva,
Espécime por espécime num sopro frêmito,
Mistério redobrado na vida a cada página.
Quando a vida em seu renascer pródigo,
Escreveu sobre o mundo mais outro capítulo,
Num arranjo disforme, aparentemente ilógico,
Uma nova era da terra, em mais outro fascículo.
No rebento da criação, a profusão lírica,
A metamorfose da vida como história épica,
Movida pela metafísica ou pela dialética,
Nas forjas da terra, em século após século,
Na pressa do tempo, de gênero por gênero,
No invisível estado da matéria, do sólido ao líquido,
A vida se refaz como encanto de fábula,
Onde se forja o eterno, forja-se o efêmero.
Onde se cria o deserto, cria-se a parábola.
Assim se multiplica a vida, de forma drástica
Refazendo o mundo a cada dia ou véspera
Assim transcorre o tempo, como passe de mágica.
No surto do mundo que nasce elétrico,
O tamanho que não se vislumbra, na força do átomo,
O sopro, o eterno sopro, do transmutar genético,
Que dá à vida um sentido divino e elástico.
Manifesto no fogo que dá ordem ao que é caótico,
Manifesto no barro que é vida e óbito
Manifesto no ar que é oxigênio e é tóxico.
Manifesto de morte prematura e grávida.
Mas o rebento da vida terá destino trágico,
Se não se barrar a fúria do plano bárbaro,
Que mancha o mundo com sangue técnico
Empurrando-o ao seu limite tênue e crítico
Nos campos de testes de experimentos bélicos,
Na aposta em vidas, espúrios negócios e métodos.
Um bárbaro de uma nova geração de decrépitos,
Que traz como desejo uma utopia medíocre
Condenar os vivos a um destino patético, lúgubre
Fechando as cortinas do palco do mundo, o epílogo,
Testando os brinquedos de Lúcifer,
E engolindo a terra, como monstro carnívoro.
Epílogo, profano, estúpido, profético.