domingo, 30 de setembro de 2007

Berço brasilis


Berço brasilis


Presos nos fortes, nas feitorias,
Arrastando correntes nos portos,
São homens, mulheres, mercadorias,
Coisificando seus corpos.

São vivos, são mortos,
No embalo das ondas do mar,
São pobres, destroços,
Prestes a naufragar.

Arrancados da brenha do mato,
Amputados do coração da aldeia,
Capturados, de vez, de assalto,
Em plena noite de lua cheia.

No escuro fundo dos porões,
O frio, o calor, o sal, o vômito,
No interior infecto das embarcações,
Todos de olhar atônito.

Submersos no pânico, no banzo,
Velejam minutos eternos,
Seus dias são mais longos,
No alvorecer dos tempos modernos.

Da Costa da Mina, de Moçambique,
Da Serra Leoa, do coração de Angola,
Só resta a dor e a saudade,
Na hora de ir-se embora.

Deportados da terra mãe,
Choram pelo seqüestro das filhas,
Derramam o pranto em sangue,
Pelo espírito de suas famílias.

Quem, então, será que se foi,
Quem, então, será que ficou,
Quem sobreviveu,
Ante o fogo do caçador?!
Ao desembarcarem nos portos,
Seguem a trilha dos mercados,
Onde seus novos rumos,
Serão, enfim, negociados.

É ferro quente,
A fome, o suplício, o açoite,
É gemido de gente,
Noite após noite.

Tem castigo no tronco,
Tem chibata de feitor,
Tem sinhozinho bronco,
Muita tortura e dor.

Depois de longa viagem,
Sobre o fluido mar de sal,
Fixam-se na doce paragem,
Do amargo trabalho no canavial.

Para a vida é só labuta,
Para o sono é a senzala,
Se há resistência, se há luta,
Negro leva fogo de bala.

A lavoura divina,
A dádiva providencial,
É a escrava rotina,
Plantada pelo capital.

Negro, então, sofreu,
Todo tipo de humilhação,
Negro, pois, morreu,
Vítima de mutilação.

Mas negro é valente,
E no sistema fez um rombo,
Negro foi à luta,
E inventou o quilombo.

Um comentário:

José Oliveira Cipriano disse...

Se a Clara Nunes fosse viva, com certeza gravaria "Berço brasislis"
Belíssima! Gosto muito também das imagens, elas dão mais vida à poesia e formam um todo harmonioso.
Um abraço,

Oliveira